Uma palavra que nem existe #132
Mais difícil do que não levar para o pessoal, é assumir a nossa pequeneza.
Amanhã,
A carta da semana passada gerou tantos diálogos no privado que me vejo ainda presa a algumas questões. O que particularmente gosto. Escrever nos ensina, dialogar com o outro sobre o que foi escrito, expande.
Dentre tantas trocas sobre tudo que foi dito, o que mais me atentei foram as falas sobre a “desimportância” da nossa existência. Uma palavra que nem existe, mas que eu gosto de usar porque acho bem mais bela que “sem importância”.
Mais difícil do que não levar para o pessoal, é assumir a nossa pequeneza. Embora complemente o outro, olhar para nossa insignificância diante do todo parece um ato de crueldade. Incompatível com a ideia de grandeza vendida em todo canto. Papo de quem não se dá o próprio valor.
Como se mede a importância da nossa espécie? Que critérios se utiliza? Em uma das conversas sobre o tema uma pessoa me disse “a importância da vida é ditada pelos valores pessoais de cada um”. A meu ver o que isso quer dizer é que olhamos para a vida e sua importância a partir do nosso repertório. O que diz sobre nós, enquanto individuo, mas que está longe de explicar o todo, a relação construída de forma coletiva.
É possível que esta carta seja um tanto quanto confusa e filosófica demais. Se é que podemos chamar tudo isso de filosofia. O fato é que refletir sobre a desimportância da vida tem sido quase uma constante. A escrita tem me levado a lugares profundos, nos quais não precisar ter significado, propósito, importância me parece ser a chave de entrada para uma vida menos complicada e com mais presença.
Assumir minha irrelevância perante o cosmo pode parecer triste e bastante incômodo. Porém, tenho achado cada vez mais, libertador. Principalmente dentro do meu ofício, a escrita.
Isso não quer dizer que o que escrevo não importa, só que não precisa ser tratado como uma carta endereçada ao Conselho de Planejamento do Hiperespaço Galáctico, solicitando com urgência o adiamento da construção da via expressa hiperespacial (não resisti a citação, saudades do Guia do Mochileiro das Galáxias). Minha vida não depende disso (não literalmente). Posso me permitir ser aprendiz.
Me ver pequenina, abre espaço para ouvir mais. Me expor menos, quando é esta a minha vontade real. Me permitir o silêncio, o afastamento, quando meu corpo e minha escrita me pedem isso. Me ver pequena tem me libertado de muitos tem que.
Se olhar bem de perto, poucas coisas realmente importam. O resto, é puro glitter.
Como saber diferenciar?
Não sei. Ouvir suas inquietações e dar voz ao corpo, me parece um bom começo. Tudo isso partindo da premissa de que estamos aqui, na nossa não importância, vivendo e, com sorte, colecionando boas memórias dos dias que já se foram.
E coragem. Sempre coragem.
Maya Angelou, uma mulher que sabia das coisas dizia que;
“Coragem é a mais importante de todas as virtudes, porque sem ela nós não podemos praticar nenhuma outra virtude com consistência”.
Termino esta carta informando que criei coragem e vou me desligar deste espaço um pouquinho. Duas semanas sem escrever cartas (volto 21/09) e se tudo der muito certo (nas mandigas aqui) alguns dias de descanso, maresia, criança comendo areia e um pequeno caos não controlando acontecendo fora da rotina.
Ouvi um amém?
Com curiosidade e afeto,
Ana
***
Leia também:
Eu acho que escrevo pela pura necessidade de escrever, sob pena de explodir...rs. E sempre vejo como algo desimportante pro mundo. Mas, sei que a vida tmb mora no desimportante. Obrigada, Ana, pelas reflexões. Mt areia pra vcs nessa pausa 🤩
Que importante pensar na desimportância, gosto de lembrar dela. Quem discorre sobre isso é a Jacira Doces no instagram, conhece? Ela fala em tom de "brincadeiras", é ótimo. ahaha boas férias!